O contrato de locação com reserva/intenção de compra é uma modalidade contratual que, apesar de ainda ser pouco utilizada no cenário nacional, merece importante atenção no momento de sua celebração, principalmente porque pode conter (a depender da vontade do locatário) a manifestação de vontade de compra e venda cumulada com a manifestação de vontade de locação em um mesmo instrumento jurídico.
O contrato de aluguel com reserva/intenção de compra, bastante utilizado nos países como Estados Unidos e Inglaterra e é conhecido como “rent to own” ou “rent to buy”. No Brasil, o contrato de locação com reserva/intenção de compra teve notável aplicação pelas startups Camaro TDH e aMORA.
Essa modalidade ocorre quando o locatário manifesta no contrato o interesse de, após o período da locação, realizar a compra/aquisição do imóvel locado. Assim, o documento jurídico que regula a relação entre locador e locatário, que futuramente poderão vir a se tornar vendedor e comprador, respectivamente, é um importante instrumento que deve ser redigido com atenção para que contemple os direitos e garantias de ambas as partes e para que cada parte tenha pleno conhecimento de seus efeitos.
Então, é nessa modalidade de contrato que o locatário poderá, ao final do prazo determinado de vigência da locação, adquirir o imóvel locado. Veja, a aquisição do imóvel locado é uma faculdade, uma opção, do locatário, não se trata de obrigação.
Existem, portanto, dois cenários que devem ser levados em consideração ao firmar essa modalidade de contrato:
O primeiro cenário é que, ao final do prazo de locação, o locatário opte por adquirir o imóvel locado. Nesse caso, as parcelas que foram pagas a título de aluguel deverão ser compensadas do valor de compra do imóvel (que deverá estar especificado no contrato, vinculando as partes).
O segundo cenário é que, ao final do prazo de locação, mesmo com a prerrogativa de compra, o locatário opte por não adquirir o imóvel locado. Nesse caso, a relação não passa de simples locação e permanecem vigentes as disposições da Lei de Locações (Lei 8.245/1991), podendo o contrato ser encerrado, com a devolução do imóvel, renovado, ou a locação viger por prazo indeterminado a depender de cada caso.
A locação com reserva/intenção de compra é um negócio vantajoso ao locatário/comprador porque permite a experiência de um “test drive” no imóvel, de modo que poderá experienciar toda a rotina e dinâmica de residir em determinado local antes de avançar para a efetiva aquisição. Além disso, os valores que foram pagos durante a locação serão compensados do valor do imóvel, o que permite o aproveitamento pleno de tudo o que foi pago a título de aluguel caso resolva prosseguir com a compra.
Importante ressaltar que uma das desvantagens ao locatário/comprador é que o valor do aluguel costuma ser mais caro do que comparado com os contratos de locação usuais. Na modalidade de locação com reserva/intenção de compra, o aluguel costuma ser fixado em 0,8% sobre o valor do imóvel, enquanto que nas locações usuais (sem a intenção de compra) o aluguel, geralmente, é fixado sobre o percentual de 0,4% do valor do imóvel.
Também para o locador/vendedor essa modalidade traz vantagens, porque, mesmo antes de o imóvel ser vendido, será possível auferir renda por meio da locação, não ficando parado até que seja vendido, como ocorre muitas vezes.
Outra questão importante de enfatizar é que o contrato de locação com reserva/intenção de compra, nada mais é do que a reserva, de forma exclusiva, do direito de preferência que pode ser exercido pelo locatário nos contratos de aluguel. A diferença é que, nessa hipótese, o locatário não fica dependente da intenção de venda pelo locador, ao passo que desde o início da locação já fica estabelecida a opção, por parte do locatário, de ao final do contrato de locação adquirir o imóvel. Então, caso o locatário opte por comprar, o locador é obrigado a vender o imóvel. Outro diferencial também é a possibilidade de compensação dos valores pagos a título de aluguel, o que não ocorre no exercício da preferência pelo locatário nos contratos usuais.
Dada a especificidade desse tipo de negócio, para além das necessárias observações do contrato de locação usual, é importante prestar atenção nas seguintes disposições contratuais:
o valor do imóvel para fins de compra, caso o locatário opte por adquirir o imóvel ao final do prazo determinado para a locação, deve estar estipulado no contrato desde já;
além da definição do valor, se possível, é recomendável que as partes estabeleçam a forma de pagamento do valor remanescente para a compra do imóvel, se será feito à vista, por meio de financiamento, ou parcelado;
ainda que seja inerente a esta hipótese de locação, é recomendável mencionar no contrato, de forma expressa, que os valores de aluguéis pagos na vigência da locação serão compensados ao valor de compra do imóvel - que, como visto, deve estar especificado no contrato -, de modo que o locatário, agora comprador, deverá ser responsável por adimplir o pagamento do saldo remanescente na forma de pagamento ajustada entre as partes;
também é recomendável mencionar que, havendo a compra do imóvel pelo locatário, ficam quitadas todas as obrigações referentes à locação;
é preciso estar especificado no contrato qual o prazo para que o locatário manifeste o interesse na compra e o que ocorrerá caso o locatário não exerça o direito de preferência a ele reservado, ou seja, é importante mencionar, se assim ajustarem as partes, que, encerrando o prazo de locação, sem que o locatário opte por adquirir o imóvel, havendo a renovação do contrato de locação ou vigendo a locação por prazo indeterminado, o locatário perde a possibilidade de exercer e exigir a opção de compra, ficando adstrito ao interesse de venda do locador e às disposições do direito de preferência previstas na Lei de Locações (Lei 8.245/1991);
a segunda fase, isto é, os procedimentos e obrigações das partes que deverão ser respeitadas caso o locatário opte por efetuar a compra do imóvel também devem estar, sempre que possível, previstos no contrato de locação, sendo possível, ainda, que as partes vinculem as disposições específicas da compra e venda a um contrato específico que deverá ser firmado após o contrato de locação.
Quanto à possibilidade de vinculação das partes à celebração de uma promessa de compra e venda, é recomendável que após a manifestação do interesse do locatário pela compra do imóvel, as partes, agora comprador e vendedor, firmem um novo documento jurídico, compromisso de compra e venda, para reger as obrigações e direitos referentes à compra, como, por exemplo, prazo para escrituração e registro, pagamento do ITBI e custas de cartório, e outras questões inerentes à compra e venda.
A inserção de tais disposições em um único contrato, isto é, diretamente no contrato de locação, apesar de ser uma possibilidade, deve ser ponderada com a complexidade que cada relação jurídica possui naturalmente, com a extensão e complexidade do próprio contrato e com a provável dificuldade de entendimento pelas partes, além de dificultar a situação caso o locatário opte por não adquirir o imóvel (quando a relação se limita simples locação).
Para os casos de contratos de locação com reserva/intenção de compra que forem mediados por corretores, é recomendável, ainda, que no contrato seja especificado que, caso o locatário opte por exercer a faculdade de compra do imóvel, seja devido o pagamento da comissão de corretagem, devendo estar especificados no contrato o percentual e a exclusividade para recebimento da comissão de corretagem em nome do corretor responsável, além da indicação do responsável pelo seu pagamento e assinatura de ambas as partes nessa disposição específica.
Tratando-se de exercício de direito de preferência pelo locatário, é recomendável que o contrato de locação com reserva/intenção de venda seja registrado na matrícula imobiliária do respectivo imóvel, para dar segurança jurídica às partes e publicidade perante terceiros.
Para auxiliar a entender os riscos e especificidades de cada caso e construir a melhor solução jurídica, é indispensável o acompanhamento por um advogado, sobretudo para a elaboração dos contratos e orientação da relação jurídica entre as partes.
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