O sonho de ter um imóvel próprio é um desejo cultivado por milhares de brasileiros. Na busca por boas oportunidades para adquirir um imóvel, muitas vezes, os cuidados jurídicos que garantem segurança à operação imobiliária são deixados de lado, o que pode trazer diversas complicações.
Dentre as inúmeras complicações que a falta de assessoria jurídica na compra e venda de um imóvel pode causar, a celebração do contrato e a regularização da propriedade imobiliária são algumas. Se engana quem pensa que o contrato de compra e venda e o pagamento do valor do imóvel são atos suficientes para que a propriedade seja transmitida ou para que o negócio esteja seguro juridicamente.
Na verdade, para a validade do contrato de compra e venda, conforme prevê o artigo 108 do Código Civil, caso o negócio tenha valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente, é necessário que seja outorgada a escritura pública de compra e venda para regularização da operação imobiliária e posterior transmissão da propriedade. Apenas o contrato de compra e venda não basta.
Após a outorga da escritura pública, também é necessário que ocorra o seu registro no Cartório de Registro de Imóveis responsável pela circunscrição do imóvel objeto da alienação. É com o registro da escritura pública no Cartório de Imóveis, ou melhor, na matrícula imobiliária, que a propriedade é transmitida, conforme artigo 1.245 do Código Civil.
No entanto, muitos dos contratos de compra e venda de imóveis realizados no Brasil não são devidamente regularizados e sequer chegam à fase de outorga da escritura pública de compra e venda. De acordo com dados disponibilizados pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, referentes ao ano de 2019, cerca de 60 milhões de imóveis no Brasil não são regularizados, e, destes, aproximadamente 30 milhões carecem de escritura pública[1].
A falta de escritura pública nas aquisições de imóveis pode se dar por inúmeros motivos, por exemplo: (i) falecimento do vendedor; (iii) recusa ilegítima do vendedor; (iv) encerramento da empresa vendedora, etc.
Diante de uma situação hipotética em que o comprador pagou o preço integral do imóvel, mas não consegue a outorga da escritura pública de compra e venda – como visto, elemento essencial para dar validade ao negócio e regularizar a transmissão da propriedade, posteriormente – seja porque o vendedor se nega, ou porque faleceu, ou porque a empresa vendedora foi extinta, o que fazer?
Para solucionar estes casos, a legislação traz o instrumento da adjudicação compulsória, previsto no artigo 1.418, do Código Civil. Em síntese, a adjudicação compulsória busca transmitir um bem de um proprietário (vendedor) a quem de direito (comprador), independentemente da vontade do transmitente (vendedor).
A adjudicação compulsória poderá ser utilizada quando (i) existir registro de uma promessa de compra e venda/permuta/cessão; (ii) existir quitação do preço e cumprimento das obrigações pelo comprador; (iii) houver recusa na outorga da escritura pública de compra e venda. Esses três elementos são essenciais para as hipóteses de adjudicação compulsória.
Recentemente, foi sancionada a Lei 14.382/2022 que institui a possibilidade de adjudicação compulsória extrajudicial, regulamentada pelo Provimento 150/2023 do Conselho Nacional da Justiça. Assim, a partir da inclusão do artigo 216-B na Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), pelo advento da Lei 14.382/2023, a adjudicação compulsória, que antes era um procedimento exclusivamente judicial, passou a ser admitida, em determinadas hipóteses e cumpridos os seus requisitos, no procedimento extrajudicial.
Então, o comprador que celebrou contrato de compra e venda, efetuou o pagamento ajustado, mas não obteve a outorga da escritura definitiva de compra e venda, poderá, além do procedimento judicial, perseguir seu direito por meio do procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória.
Para isso, é preciso se atentar para algumas particularidades destacadas no artigo 216-B, da Lei 6.015/73, e no Provimento 150/2013 do CNJ.
a) Inexistência de litígio
Embora pareça óbvio, por se tratar de um procedimento extrajudicial, ainda que o rito preveja o exercício do contraditório, é imprescindível que não exista litígio sobre a questão. Caso exista litígio na busca do direito pelo comprador, isto é, caso exista litígio na regularização do imóvel ou na transmissão da propriedade, o rito deverá ser o judicial.
b) Necessidade de advogado
A necessidade de advogado foi mantida no procedimento extrajudicial. Sendo assim, também no procedimento extrajudicial é necessária a assistência de um advogado ou defensor público, constituídos mediante procuração específica, para representação dos interesses do requerente na adjudicação compulsória.
c) Legitimados e contratos
A adjudicação compulsória extrajudicial poderá ser requerida nos casos de contrato de promessa de compra e venda ou de cessão, promessa de cessão, bem como na promessa de permuta, desde que tais contratos não tenham cláusula de arrependimento exercitável.
d) Requerimento
Para o requerimento da adjudicação compulsória extrajudicial, que deverá ser elaborado pelo procurador do requerente, a lei estabelece que o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:
instrumento de promessa de compra e venda/permuta ou de cessão ou de sucessão;
prova do inadimplemento que demonstra a ausência de outorga da escritura pública definitiva de compra e venda, por meio de notificação extrajudicial feita pelo Registrador do Cartório de Registro de Imóveis;
ata notarial lavrada por tabelião de notas que conste as informações e dados sobre o caso, prova de inadimplemento, prova de quitação, informações sobre o imóvel;
certidões de inexistência de litígio envolvendo o título (contrato) que será levado a registro objeto da adjudicação, retiradas da comarca de situação do imóvel e do domicílio do requerente;
comprovante de pagamento do ITBI;
procuração com poderes específicos.
e) Procedimento
O procedimento extrajudicial da adjudicação compulsória deverá ser iniciado no Tabelionato de Notas para que seja lavrada a Ata Notarial, conforme exige a lei. Após, somado aos outros documentos e requerimento que devem ser apresentados, como listado acima, o requerimento é direcionado ao Cartório de Registro de Imóveis competente, onde será processado o pedido.
Após a apresentação do requerimento, o Registrador efetuará a notificação do requerido, e concederá o prazo de 15 (quinze) dias para que apresente manifestação. Se houver silêncio ou concordância com o pedido de adjudicação compulsória, o próximo passo é a análise da documentação apresentada e eventuais complementações que forem necessárias.
Com a documentação certa, será proferida decisão deferindo ou rejeitando o pedido de adjudicação compulsória. Caso o pedido seja deferido, haverá o pagamento de ITBI e por fim o registro da propriedade do imóvel na matrícula imobiliária. Só então, o comprador será efetivamente o proprietário do imóvel.
Caso o requerido (vendedor) apresente impugnação, ela pode ser rejeitada ou acolhida. Se for rejeitada o procedimento extrajudicial continua, mas, se for acolhida, o procedimento é remetido à via judicial para análise da impugnação.
O procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial, instituído pela Lei 14.382/22, com as modificações na Lei 6.015/73, e regulamentado pelo Provimento n. 150/2023 do CNJ, é uma excelente opção para a regularização da propriedade do imóvel, nas hipóteses em que admitido, de forma rápida e eficaz.
Comments